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Pegue-se num guia turístico, ou numa brochura daquelas produzidas pelas autarquias, e será inevitável a definição "para turista ver", romantizada, de Almada cidade à beira Tejo que evita transformar-se num "dormitório" da capital. Afinal de contas, é logo ali, 2278 metros depois de começar a ponte sobre o Tejo, que se impõe a fronteira da cidade mais próxima de Lisboa. É um dos caminhos para a Outra Banda mas, provavelmente, trata-se somente da não-Lisboa que ali começa ou de outra coisa feita de emigrantes oriundos do resto do país que partilham o sonho de ser outra coisa que não a periferia do centro do mundo. Por isso se aproximam, sem (quase) nunca chegarem lá, alimentando a raiva surda própria de quem não quer apenas sobreviver. A pouco mais de dois quilómetros de distância, esses sonhos podem transformar-se em realidade. As ilusões nunca. Assim também são as bandas de Almada - as de hoje e as de ontem -, extremistas nos seus intentos, radicais nos meios que utilizam, duras e cruas como a realidade já longínqua da Lisnave mas com a ternura agridoce das noites da Costa da Caparica.

O resto são apenas memórias de um passado distante. Ou a constatação de que os Da Weasel são hoje o porta-estandarte dessa alma danada, capaz de conquistar galardões de ouro enquanto os discos sobem nas tabelas dos mais vendidos.

Passaram 25 anos desde que os UHF lançaram o "rock português" tal como hoje o conhecemos, fazendo de Almada uma das capitais desse "boom". Hoje, os seus distintos munícipes que se dedicam ao ofício da música urbana são unânimes relativamente ao estado da margem sul desse tempo não resta nada.

Mário Dimas é um dos responsáveis pela Agência Reunião. empresa especializada em vender concertos de bandas portuguesas para o país. Lançou o primeiro álbum dos Da Weasel na editora, entretanto desaparecida, Margem Esquerda, mas a sua carreira teve início no tempo do "Ar de Rock" de Rui Veloso (que hoje faz parte da sua carteira de artistas). Admite sem problemas a travessia do deserto. "O que se passa hoje em Almada é que não acontece nada. Antes existia mais dinamismo, não só devido às bandas locais, mas também devido aos concertos em salas como a Incrível Almadense, que chegou a ser conhecida como 'catedral’. Havia concertos de bandas nacionais e internacionais com regularidade, e isso agora é uma miragem.

Ainda assim, os oásis existem. mesmo que escondidos debaixo de uma (não tão) fina camada de areia. Uma perspectiva mais próxima dos acontecimentos dá, no entanto, a perceber a existência de algumas bandas, obrigatoriamente marginais e sem a popularidade necessária para lhes garantir passaporte até aos palcos situados no resto do pais ou mesmo na vizinha Lisboa.

(...)
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Das fábricas às televisões.

<class="textod">O contraste com as bandas de AImada que integraram o "boom" do rock português, no inicio dos anos 80, é notório. UHF, Roquivários, Iodo ou Opinião Pública cantavam na língua pátria - "a ponte, nessa altura, era enorme" diz António Manuel Ribeiro, poeta maldito dos UHF, acrescentando que a sua banda "sempre defendeu a palavra portuguesa. Essas bandas que cantam em inglês têm o sonho de exportar e, a partir de certa altura, isso ainda foi mais estimulado e levou a que muita gente acreditasse nesse sonho." De "Rua do Carmo" para cá, a palavra tinha deixado de ser uma arma?

Um desses sonhadores chamava-se João Nobre, que hoje faz parte dos Da Weasel. onde toca baixo e assina como Jay Jay Neige. Tudo o distingue da geração anterior, a de António Manuel Ribeiro, em que a música servia como veiculo da revolta da juventude proletária urbana. "Essa fase do "boom" do rock português já não me apanhou. Mas desde miúdos que sabíamos - e isso era motivo de orgulho - que Almada era um viveiro e que deu excelentes bandas à música portuguesa", comenta de raspão. Nos anos 90, quando lançou os Braindead. banda de thrash-metal que antecedeu os Da Weasel e que gravou dois álbuns para a EMI ("Blend" e "Room Landscapes"), a inspiração do fumo das fábricas da outra margem passou a ser substituída pela hipnose dos raios catódicos das televisões.

"Apanhei a primeira fase de bandas que cantavam em inglês. Essa era a época em que começaram a existir programas na TV portuguesa que passavam música alternativa. De repente, houve uma explosão de bandas por todo o lado em Almada. Lembro-me de andar na escola e existir uma concorrência saudável. Havia mini-estúdios em Almada sempre cheios com miúdos de 14, 15 anos. Todos com a ambição de ter um grupo. As bandas praticavam um estilo arrojado Alguns géneros estavam a dar os primeiros passos e em programas de TV como o "Pop Off" começou a haver espaço para as bandas portuguesas, o que gerou entusiasmo. Quando os Red Hot Chili Peppers explodiram, ainda num circuito fechado, assim como os Faith No More, arrastaram imensa gente. Foi quando, pela primeira vez, conseguimos ver videoclips. Porque não havia MTV, Sol Música ou TV Cabo. Eram as primeiras coisas que víamos e ficávamos radiantes. Em Almada, surgiram então esses sub-géneros do rock muito mais do que bandas de pop."

Era a época em que a cintura industrial deixava de produzir a música de intervenção que censurava a sociedade de consumo, o desemprego ou a falta de oportunidades que caracterizou a primeira vaga do rock português.

(...)

À margem.

Estar à margem é ponto de honra para as bandas de Almada. Um quarto de século depois do rock português António Manuel Ribeiro ainda refere com orgulho a atitude dos UHF da época, em contestação aos projectos que, do outro lado da ponte, mimetizavam um certo "establishment".

Nesse tempo, o que se fazia em Lisboa era feito por "tubarões" como os Tantra ou os Ananga Ranga que imitavam os grupos que estavam em voga, caso dos Genesis ou dos Yes, copiando o rock sinfónico e progressivo. Nós aparecemos com duas guitarras e um microfone" –diz, enquanto lembra os concertos da primeira banda punk portuguesa, os Aqui d'EI Rock, no Canecão, sala de Almada já extinta - "pois vínhamos do punk de Londres e de Nova Iorque."

"Jorge Morreu" o primeiro single dos UHF, editado ainda no final dos anos 80, falava (quase) abertamente dos problemas associados ao uso de droga na Margem Sul (1), e "Cavalos de Corrida" é, "ainda que de forma genérica, sobre os cacilheiros como a única forma de chegar a Lisboa". Era a época dos concertos na Incrível Almadense, onde tocavam não só as bandas locais mas também as outras, muito em especial os Xutos & Pontapés, que na altura ensaiavam em Almada. O berço da indústria moderna da música portuguesa também passou por ali, até porque inúmeros produtores, técnicos e 'managers' continuam a ser os que forjaram a sua carreira no rock português.

Outros tempos, segundo Mário Dimas "Antigamente, havia razões que justificavam a postura dos músicos. As letras tinham um teor interventivo, porque esta era uma zona industrial. Existia a Lisnave e Almada era uma zona conotada com o Partido Comunista. Agora existe outro tipo de intervenção. A geração do Carlão [vocalista dos Da Weasel, ex-vocalista da primeira formação dos Lovedstone] é influenciada por outras coisas. É que esta terra não tem cultura própria. É uma terra de emigrantes do Alentejo, do Algarve ou do Norte. Há muito pouca gente nascida em Almada.

"Mas mais do que a origem geográfica dos habitantes, Almada continua a ser marcada, hoje, quando os Da Weasel se mantêm há onze semanas na tabela dos mais vendidos em Portugal com "Re-Definições", pela marginalidade própria das pequenas e grandes transgressões. Aí, a música popular continua a ser o lugar onde sonhadores e inadaptados se encontram para, se não transformar o mundo, pelo menos, transformar o seu mundo. Sinais da alma danada. <class="textod">

(1) O primeiro EP dos UHF foi editado, em 1979, pela Metro-Som, ainda não existia rock português, pelo menos na forma institucionalizada que lhe viríamos a conhecer. Mas eles próprios reconheciam-se como herdeiros dos primeiros punks portugueses - os Aqui d'EI Rock - e alinhavam por um rock cru que ousava cantar o que os outros não queriam ver: "Jorge morreu" era dedicado a um amigo do baixista Carlos Peres que falecera no Algarve em circunstâncias trágicas e nunca esclarecidas, depois de se ter envolvido na toxicodependência. O corpo apareceu desfigurado pelo motor de um barco e "Jorge" ficou para a posteridade no primeiro disco dos UHF. Almada era um dos maiores focos de utilização de drogas duras em Portugal e António Manuel Ribeiro estava lá.

ARTIGO PUBLICADO NO DIA 27/08/2004 NO SUPLEMENTO Y DO JORNAL "PÚBLICO"

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