Passou um vendaval por aqui

Passagem da década de 1980 para a de 90. Na esteira do boom do pop-rock português, o melhor que ouvimos aconteceu na segunda linha – ou até na terceira. Foi entre os “independentes” (sem contratos com as majors) e os “alternativos” (apresentando-se em lugares mais esconsos e pouco mais podendo, em muitos casos, do que editar em cassete) que os projectos mais interessantes surgiram, porque inovadores e inventivos, por vezes das maneiras mais inesperadas.

Se os Nihil Aut Mors, por exemplo, cantavam em Latim, os Duplex Longa levaram a música clássica, a experimentação e o multiculturalismo (já então Mário Resende e Carlos Paes recusavam a designação “músicas do mundo”) para o domínio da canção. No caso deles, da canção instrumental, ou pelo menos “cantada” não por uma voz, mas por um violino. Da canção avant-pop, acrescentemos.

Tiveram impacto, mas não ganharam fama. Não subiram muito na hierarquia do comercialismo, aquela tão artificialmente filtrada pela indústria tuga da música. A imprensa musical e a demais deram, no entanto, por eles, e os Duplex Longa quase ganhavam os seus plenos favores. Mas já se sabe... houve o percalço de uma concorrência entre jornais. Um ia dar-lhes capa, mas uma entrevista a outra publicação que lhe era rival fez com que fossem castigados. Ficaram sem capa. Que caminho poderia ter feito o duo se essa capa se tivesse somado aos vídeos do programa televisivo Pop-Off, várias vezes repetidos pela RTP? Lançaram um CD, “Forças Ocultas”, que foi passado em algumas rádios, e deram um punhado de concertos, sempre esgotados ou perto disso, com públicos esfuziantes e surpreendidos com as suas fórmulas pouquíssimo comuns. Depois, o deslumbramento da comunicação social desvaneceu-se e os convites para tocarem ao vivo foram rareando, até se verem obrigados a darem a aventura por terminada. O capitalismo musical também teve nos Duplex Longa uma vítima, entre as muitas que deixou pelo caminho. É assim, foi sempre assim, esperemos que deixe de ser um dia. É doloroso assistir a mortes injustas como esta.

Neste álbum que junta gravações de ensaios e outras realizadas ao vivo (num, na altura, muito comentado concerto no Instituto Franco-Português), só duas faixas correspondem ao conteúdo de “Forças Ocultas”, uma em versão live e outra antes de chegar à forma com que surge nesse disco. O resto do alinhamento junta temas que apenas foram tocados diante do público ou que se mantiveram inéditos durante todo este tempo. Sim, o factor tempo marcou a sua sonoridade, datou-a, mas aquilo que os Duplex Longa nos ofereceram continua ainda hoje a ser causa de admiração, e daí este CD que os lembra e homenageia. As contas com a história desta dupla e dos seus fãs não estariam saldadas sem que finalmente um novo disco os incluísse e documentasse. Está feito, agora oiçam, porque vale muito a pena lembrar este vendaval (por vezes doce brisa) que passou pela música que por cá se vai criando.

Rui Eduardo Paes, ensaísta e crítico de música
Setembro, 2022

Apoios:
Sinfonias de Aço (Rádio Barcelos)
Santos da Casa (Rádio Universidade de Coimbra)

©2022 Anti-Demos-Cracia (ADC105DEZ2022)
Edição de 60 exemplares
Formato: CD Digisleeve + booklet de 12 páginas
Design: Carlos Paes

Editado a 15 de Dezembro de 2022

https://anti-demos-cracia.bandcamp.com/

1. 1939-1945 (3:12)
2. Europa 1940 (4:38)
3. Chuva, Vapor e Velocidade (5:54)
4. Cais das Colunas (4:29)
5. Folia de Espanha (3:46)
6. Malhangalene (3:24)
7. So Long, Calamity Jane (1:18)
8. Country Kwella (3:47)
9. Fado (4:38)
10. Macau (1:44)
11. Ventos de Leste (5:05)
12. Funky Country Ska (2:15)
13. Baía das Tartarugas (3:06)
14. Mar (7:20)
15. Segunda Viagem (4:29)
16. Pequena Música de Noite (free) (3:11)
17. Cruzeiro do Sul (4:40)
18. Nacala (2:43)
19. Trova da Terra (3:47)