Tal como havia sido prometido em tempos, o “Sinfonias de Aço” inaugura agora uma nova secção exclusivamente dedicada à música barcelense. Não se pense, contudo, que esta nova secção vai funcionar como um museu de música.
“Barcelos - Rock City” – assim se chama a secção – não está confinada a uma época e aqui as coisas serão intemporais. É um espaço onde pretendo mostrar algumas coisas que já foram feitas no passado, mas onde também deverão constar trabalhos mais recentes e outros conteúdos que possam ter interesse para melhor retratar a realidade musical barcelense. Afinal de contas, Barcelos é uma cidade como outra qualquer, onde se faz música como noutro sítio qualquer – em princípio. Se se passa alguma coisa de especial por cá, então que este espaço sirva para percebermos do que se trata. A verdade é que, recentemente, apercebi-me de um desconhecimento profundo da geração mais jovem sobre a produção musical barcelense da década de ’90. Mas a culpa não é da geração mais nova que não tem culpa de ter nascido uma década mais tarde. A culpa também não é dos músicos dos anos ’90, que produziram o que tiveram a produzir e partiram para as suas vidas pessoais, que acabaram por se sobrepor à actividade musical. A culpa, a existir, será minha, que disponho de todo esse legado artístico e não o mostro aos mais novos. Afinal de contas, eu possuo todo esse material, não para que ele constitua uma reserva – como o “cofre” de sementes no Ártico norueguês -, mas em vez disso foi-me confiado pelos músicos para eu o divulgar, primeiro na rádio e agora aqui. E, verdade seja dita, não me foi imposto algum prazo de validade nos trabalhos que me foram entregues – salvo algumas raríssimas e óbvias excepções.
Por isso, a partir de agora, havendo curiosidade por parte da geração mais nova – ou da mais velha que andou distraída há quase duas décadas, ou até da que viveu um passado recente mas perdeu alguma memória -, o “Sinfonias de Aço” está aí a cumprir a promessa de trazer de novo à memória a música que fez mexer uma geração e ficará para sempre como parte integrante da vida de muitos jovens barcelenses – e outros menos jovens, como é o meu caso. Lembro que coisas mais actuais também deverão surgir aqui e isso pode incluir videos, registos ao vivo, edições livres, etc.
Ora, nada melhor do que começar a nova secção com um inédito – uma verdadeira Pedra da Roseta perdida no legado barcelense. Hoje trago-vos o primeiro registo dos The Astonishing Urbana Fall (TAUF). Quatro destes temas viriam a ser editados no EP “Acetaminophen” – os outros nunca conheceram a edição. O álbum nunca editado, ou a maqueta, ou o que lhe quiserem chamar, foi gravada no estúdio AMP (Viana do Castelo), por Paulo Miranda, que também assumiu a produção, em parceria com a banda. Os TAUF eram então constituídos por André Simão (voz e baixo), Paulo Araújo (saxofone), Pedro Nuno e Ricardo Cibrão (guitarras) e Jorge Aristides (bateria). André, Pedro e Jorge tocaram juntos nos teenagers Ah-Doc, aos quais se juntou mais tarde o Ricardo, já nos Angelica’s Mercy. Com a entrada do Paulo, a banda evoluiu para uma nova estética musical e ainda com o nome de Angelica’s Mercy gravaram este trabalho em 1996. Rapidamente, o nome seria alterado pela TAUF (nome de um dos temas deste primeiro trabalho). Os músicos dos TAUF fizeram o favor de ser meus bons amigos até aos dias de hoje e com isso pude acompanhar de perto a evolução desta banda e em particular esta fase de gravação em Viana do Castelo. Durante o tempo que decorreram as gravações, tudo parecia suceder de forma espontânea e natural: em ensaio, na rua, nas viagens para Viana e mesmo no próprio estúdio, surgiam ideias que eram imediatamente testadas e logo aprovadas ou descartadas. O projecto era vivido por todos quase involuntariamente, como a respiração. Para isso muito contribuiu também a mestria e “ratice” de Paulo Miranda que, sabe-se lá como, se lembrou quase em cima do joelho de dar nova vida a um dos temas (“None”). O resultado foi o emblemático “None (Pain Version)” que resultou quase numa enorme e intransponível parede de guitarras. Às duas presentes, a banda chegou a chamar guitarristas convidados para, ao vivo, revestir o tema de uma maior força e densidade. Que me lembre, chegaram a tocar com os TAUF Pedro Cabanas (Fucklore) e Miguel Gomes (Oratory). Pouco tempo depois, o Pedro Nuno deixou o projecto, vindo a formar os This Isn’t Luxury – e começando aqui o boom das bandas barcelenses. Os TAUF continuaram e depois da edição do EP tinham já um bom cartão de visita. A evolução era constante, ao ponto de muitos temas serem apresentados apenas uma ou duas vezes ao vivo, antes de serem rejeitados e darem lugar a novos. Para quem estava de fora, poderia parecer algo frustrante e um absoluto desperdício; para a banda, mais não era do que deixar de lado o que eles consideravam imperfeito ou pouco consistente. Tudo junto, resultava numa experiência única assistir aos concertos dos TAUF. Do caldeirão criativo da sala de ensaios saíam músicas novas que eram atiradas para o palco sem piedade – e muitas pereceram lá, para grande desgosto de todos nós. Mas eles voltarão aqui e nessa altura falaremos melhor.
Temas neste registo:
1. Itty Semem (3:37)
2. The Astonishing Urbana Fall (7:58)
3. Myosis (5:09)
4. The Sighter (4:14)
5. Us And Them (Acitaminophen) (4:05)
6. Lovely (4:30)
7. None (3:51)
8. Stop (4:19)
9. None (Pain Version) (3:55)