Ao longo de mais de vinte anos de carreira, o músico, letrista e compositor (e, muito de quando em vez, cantor) José Flávio Martins sempre expressou, em todos os grupos que criou, um amor imenso pela música tradicional portuguesa, fosse o fado ou a música de raiz rural, mas nunca deixando de alargar esse amor -e uma enorme curiosidade e estudo - a muitas outras músicas: a tradição dita celta, a folk anglo-saxónica, o flamenco, o jazz, o tango e até algumas vertentes do pop/rock. Assim, sem hierarquias, épocas históricas ou geografias definitivas ou obrigatórias.
E basta recordar alguns desses grupos - Frei Fado d'El Rei, Ceia dos Monges, Roldana Folk, Lúmen ou os mais recentes Atlantihda - para se perceber a que latitudes as suas canções chegam, latitudes mais próximas ou mais distantes mas que têm sempre um epicentro comum: a arte muito própria de José Flávio Martins enquanto inventor constante de novos imaginários musicais, de novos conceitos artísticos e de inúmeras novas canções.
O seu mais recente trabalho, "Cartas de Um Marinheiro", assinado pelo novo colectivo Senhor Vadio, é a súmula perfeita destes muitos anos de trabalho repartidos por vários projectos. E é-o por várias razões. Porque pode ser visto como uma espécie de «best of» de toda a sua carreira, já que muitas das canções presentes no disco são releituras de temas anteriormente gravados por outros grupos seus - e até inclui, como faixa-bónus, um lindíssimo inédito dos Frei Fado d'El Rei gravado em 1998 — , mas que não é um «best of» porque evita alguns temas óbvios e porque estas novas versões têm um vincado «cunho Senhor Vadio». Porque, ao lado destes avança também com temas recentes, compostos para e com os Senhor Vadio, que apontam novos caminhos, embora nunca renegando o legado anterior. Porque, ao lado de alguns cúmplices mais ou menos habituais - a cantora Flora Miranda, o percussionista Paulo Coelho de Castro e o clarinetista Carlos Pinto Pereira - estão no Senhor Vadio dois outros talentosos músicos que com ele ainda não tinham tocado: o guitarrista Pedro Araújo e o teclista e acordeonista André Barbosa. E porque, para além dos membros da banda, José Flávio Martins se faz rodear aqui de vários convidados que com eleja se tinham cruzado nos seus grupos ou espectáculos - a acordeonista Helena Soares, a oboísta Daniela Pinhel ou Rodrigo Viterbo em didgeriddoo - e outros que conheceu ao longo da vida mas com quem nunca tinha trabalhado num projecto próprio: João Gil, Jorge Fernando, Diana Basto, Manuel Rocha (da Brigada Victor Jara), Hugo Sanches e a bailarina e coreógrafa Rute Mar. Quer dizer, "Cartas de Um Marinheiro", do Senhor Vadio, é uma constante viagem entre o seu passado e o seu presente, como se de um Marinheiro do Tempo — mais do que de um Marinheiro dos Oceanos --, se tratasse. Uma viagem que não precisa de sextante nem bússola ou sequer de relógio ou calendário. Basta ouvi-lo e ouvir os tempos que contém.
Os Outros Marinheiros
Diz José Flávio Martins sobre cada um dos outros marinheiros chamados a embarcar permanentemente nesta viagem do Senhor Vadio: «Começando pelas senhoras, na voz principal está a Flora Miranda, que tocou comigo nos Lúmen, fez já muitos concertos e é uma voz versátil que admiro muito. Foi também, há já alguns anos, uma das finalistas da "Operação Triunfo". Paulo Coelho de Castro é um percussionista muito versátil que também participa no CD com segundas vozes. Tocou comigo no projecto Ceia dos Monges, para além de partilhar comigo e com o Pedro Bruno Carreira a produção deste trabalho. Pedro Araújo é o guitarrista do Senhor Vadio, um executante exímio d e guitarra clássica e guitarra folk. É um dos elementos mais novos do Senhor Vadio, com uma diversidade musical fantástica. Carlos Pinto Pereira é o clarinetista do Senhor Vadio. Tocou comigo no projecto Ceia dos Monges. É o elemento com mais formação clássica e possui uma capacidade de improviso magnífica. André Barbosa é teclista e acordeonista, um multi-instrumentista com uma capacidade de execução fantástica. É também um elemento recente no Senhor Vadio».
E sobre aqueles que, não estando sempre no barco, o barco também conquistaram com o seu talento e a sua arte: «Os convidados são todos, sem excepção, músicos que ao longo destes anos se cruzaram comigo, de uma ou de outra forma, mais ou menos directamente. O João Gil esteve comigo nos "Filhos da Madrugada". Ele fazia parte da produção deste álbum de homenagem a José Afonso, editado em 1994, em que os Frei Fado d'El Rei interpretaram "Que Amor Não me Engana". Mais tarde, com o João Gil e o Jorge Fernando, participámos num CD chamado "Abraço a Moçambique", que tinha como objectivo ajudar o povo de Moçambique, vitima das cheias. A Diana Basto tocou comigo durante três anos no projecto Ceia dos Monges. O Manuel Rocha, da Brigada Victor Jara, esteve comigo nos "Filhos da Madrugada". A Helena Soares, que fez parte dos Vai de Roda, foi a acordeonista que mais me acompanhou ao longo destes anos, tocando comigo em Frei Fado d'El Rei, Roldana Folk e Lúmen. O Rodrigo Viterbo é um grande construtor de didgeridoos, já participou comigo em vários espectáculos e toca num dos temas do álbum. A Daniela Pinhel é uma oboísta fantástica que também já tinha feito alguns trabalhos comigo. O Hugo Sanches é um grande alaudista que já conheço há muitos anos e que dá um ambiente medieval de que tanto gosto. Finalmente, a Rute Mar, que é uma bailarina e professora de danças do mundo e que e dançou em vários concertos dos Lúmen, participou na coreografia do videoclip.
Carta a Carta:
l - "Disse-te Adeus e Sorri" - 2010, inédito. Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. Participação de Manuel Rocha (Brigada Victor Jara) e Helena Soares. (3:42)
2 - "Fado das Tranças" - 1998, Frei Fado d'El Rei (CD "Encanto da Lua). Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. Participação de Daniela Pinhel. (3:19)
3 - "Mar de Vultos" - 1997, Ceia dos Monges e, mais recentemente, nos Atlantihda - 2011. Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. Participação de Jorge Fernando. (4:38)
4 - "Por ti Menina" - 1998, Frei Fado d'El Rei (CD "Encanto da Lua". Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. (4:17)
5 - "Estrada de Palavras" - 2010, inédito. Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. Participação de João Gil. (4:28)
6 - "Ai se Eu Pudesse" - 2011, inédito. Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. Participação de Diana Basto. (5:18)
7 - "Quem Dera" - 2012, inédito. Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins e Paulo Coelho de Castro. Arranjos: Senhor Vadio. Participação de Rodrigo Viterbo e Hugo Sanches. (4:12)
8 - "Chalaça" - 2005, Roldana Fok (CD "Gincana"). Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. (4:27)
9 - "Memórias de um Trovador" - 1995, Frei Fado d'El Rei (CD "Danças no Tempo"). Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. (2:40)
10 - "Damas da Corte" - 1995, Frei Fado d'El Rei (CD "Danças no Tempo"). Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. (3:06)
11 - "Estrada do Teu Regresso" — 1997 em Ceia dos Monges e em 2011 pêlos Atlantihda. Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Arranjos: Senhor Vadio. (2:28)
12 - "Trova do Vento que Passa" - A única versão deste trabalho. Letra: Manuel Alegre. Música: António Portugal. (3:41)
13 - "Puros Olhos de Água" — Inédito gravado em 1998 pêlos Frei Fado d'El Rei, nunca antes editado (faixa-bónus). Letra: José Flávio Martins. Música: José Flávio Martins. Participação especial de Carla Lopes na voz. (4:37)
O disco é uma edição IPlay para 2013.
Foi gravado em Ponte da Barca, na aldeia de Entre-Ambos-Os-Rios, na Casa do Cruzeiro, entre 11 e 13 de Janeiro de 2013, no estúdio Progressões, no Porto, no estúdio ZipMix em Olhão, no estúdio do Conservatório e no Estúdio Prime Time (Oeiras).
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