OS ANOS 80 VISTOS PELO JORNAL EXPRESSO
1980
Um país inteiro, ainda à procura de rumo, entretém-se a dar voltas ao cubo de faces coloridas inventado pelo húngaro Rubik. Há uma solução correcta entre 43,2 quinquilhões de possibilidades... A cores é agora a TV, que passa Dallas («quem matou J.R.?»). Em concertos de música brasileira nunca houve tanta fartura: Milton Nascimento, Chico Buarque, Simone na Festa do «Avante!». Na Rádio Comercial há Pão com manteiga (Carlos Cruz), Lugar ao sul (Rafael Correia) e Café concerto (Maria José Mauperrin). Rui Veloso funda o rock com Chico Fininho e Marco Paulo confessa-se (Eu tenho dois amores). Victor Espadinha ainda fala aos corações (Recordar é viver) e as Doce fazem sucesso (Amanhã de manhã). Eternos são Amália (Gostava de ser quem era) e John Lennon (Woman). Babooska (Kate Bush) e Enola Gay (OMD) são outros sons que andam no ouvido. Já chegou o CD, mas ainda em fita vemos Apocalypse Now, Kramer contra Kramer, A Sombra do Guerreiro e Manhã Submersa. E Com um brilhozinho nos olhos (Sérgio Godinho) lemos O Nome da Rosa (Umberto Eco).
1981
Parte do Mundo vive o conto de fadas de Carlos e Diana. O outro extremo corre violento como Crónica de Uma Morte Anunciada (Gabriel García Márquez). A todo o planeta chega o concerto de Paul Simon e Art Garfunkel, no Central Park de Nova Iorque, e o canal dos «clips», MTV, que passa êxitos como Golden brown (The Stranglers) e Don't you want me (The Human League). Aos cinemas chegam Os Salteadores da Arca Perdida, A Amante do Tenente Francês e o Touro Enraivecido. O cinema português está no auge: Kilas, O Mau da Fita (Fonseca e Costa), Francisca (Oliveira) e Oxalá (António-Pedro Vasconcelos). O rock continua em ebulição, como Cavalos de Corrida (UHF). Na Rádio Comercial, Grafonola ideal e Febre de sábado de manhã (de Júlio Isidro) realizam concertos de bandas estrangeiras e revelam valores como os Trovante (Baile no bosque) e os GNR (Portugal na CEE). Grande êxito faz o Cavaquinho de Júlio Pereira, mas os adolescentes querem é fazer «dança jazz». Na TV, vê-se o Cosmos por Carl Sagan e o Sabadabadu de Camilo de Oliveira e Ivone Silva
1982
O computador foi feito à medida do Homem, mas vai alterar a sua vida de forma radical. A generalização dos «personal computer», PC, leva a revista americana «Time» a elegê-lo «homem do ano». É tão fantástico como a criatura de Steven Spielberg, que põe salas de cinema a chorar («ET go home!»). Na verdade, não falta boa ficção: As Brumas de Avalon (Marion Z. Bradley), A Balada da Praia dos Cães (J. Cardoso Pires), A Casa dos Espíritos (Isabel Allende) e Memorial do Convento (José Saramago). Na TV, passa Reviver o passado em Brideshead, A balada de Hill Street, O mundo misterioso de Arthur C. Clark, O passeio dos alegres (Júlio Isidro) e O sítio do pica-pau amarelo. No Mundial de futebol, em Espanha, a Itália de Paolo Rossi acaba de vencer o Brasil de Zico, Falcão e Sócrates. Michael Jackson (Thriller) faz furor, bem como os Culture Club (Do you really want to hurt me) e os Duran Duran (Save a Prayer). Há Amor (Heróis do Mar) e Por este rio acima (Fausto). Zandinga prevê a descoberta de petróleo em Portugal. Palavra de adivinho
1983
A humanidade sente-se em permanente ameaça: há mísseis prontos a disparar e o vírus da sida (isolado e baptizado HIV) em toda a parte. Um sentimento definido pelos Police: «Every breath you take, every move you make, i'll be watching you». Os pacifistas gritam «Nuclear não, obrigado»; no Festival de Tróia apela-se «Dêem uma oportunidade à paz»; Paul McCartney canta Pipes of peace. Portugal vive em profunda crise e as preocupações são outras. Como sempre, «É prà amanhã» (António Variações, Anjo da Guarda) e com muita Paixão (Heróis do Mar). N'O tal canal, de Herman José, há «música ró» (Tony Silva), «imensa paprika» (Cozinho para o Povo) e «o esférico rolando sobre a erva» (Estebes). Na RTP, o Pato com Laranja ficou a meio, porque a audiência telefonou. No cinema, há Tootsie (Dustin Hoffman era ela), Sean Connery de novo 007 (Nunca Mais Digas Nunca) e Sem Sombra de Pecado (Fonseca e Costa). Em livro, A Insustentável Leveza do Ser (M. Kundera) e As Cruzadas Vistas pelos Árabes (Amin Malouf); em BD chora-se a morte de Hergé, criador do Tintin e lê-se as sagas do Incal e do Tenente Blueberry (Moebius/Giraud)
1984
A realidade que chega pela televisão é dolorosa: corpos esqueléticos, ventres redondos e olhos cavados. As secas, cheias e guerras fazem um milhão de mortos na Etiópia e dois a três milhões em toda a África. A ocidente, o americanos dominam. Bruce Springsteen devolve-lhes o orgulho em Born in the USA e Glory Days. No «top» estão ainda Tina Turner (What's love got to do it), Prince (Purple rain), Wham (Wake me up) e Paul McCartney (We all stand together). Dança-se Breakdance e no cinema vemos Os Amigos de Alex, Os Eleitos, Os Amantes de Maria e Paris, Texas. Em Portugal, a ambição é ir ao 1, 2, 3, com prémios nunca vistos. Há também A jóia da coroa, Hermanias e Palavras ditas (Mário Viegas). Mas, como diz o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçú (O Bem Amado), «deixemos os entretantos e vamos aos finalmentes». Em português correcto, lemos O Ano da Morte de Ricardo Reis (José Saramago). No Europeu de futebol, em França, brilham Chalana, Carlos Manuel e Jordão. Michel Platini é o nosso carrasco.