Radiohead
MY MUSIC IS YOUR MUSIC AND YOUR MUSIC IS MINE
Nas páginas do jornal BLITZ têm vindo a ser publicadas as opiniões de pessoas ligadas à música em Portugal relativamente à Lei da Rádio sobre a música portuguesa. Eis que me tocou a mim agora tornar pública a minha versão sobre o assunto. Embora ouça muito pouca rádio, e o botão de sintonia raramente saia da XFM, julgo estar mais ou menos a par do panorama. A rádio em Portugal passa pouca música portuguesa. É um facto. E poderá também ser um problema.
Resolvê-lo por via legislativa parece-me ou impossível ou então carregado de graves distorções da realidade. Senão vejamos: E se houvesse uma lei que obrigasse as salas de cinema a passarem 50% de filmes portugueses? E se se obrigasse o BLITZ a noticiar 50% sobre música portuguesa? E se as bibliotecas fossem obrigadas a ter 50% de obras de autores portugueses? Qualquer destas situações corresponderia a uma distorção da nossa realidade cultural. E o problema da música portuguesa na rádio é mainly um problema cultural.
Não percebo nada de power-lists ou tops-play ou de quem ouve mais o quê e vai comprar, ou essas coisas de audiências e airplays. Eu gosto é de música. Há mais ou menos 20 anos que gosto apaixonadamente de música. Se a rádio for feita por pessoas que amam música e se estas pessoas não forem cingidas à condição mecânica de Juke-Boxes pré-programadas, essa música (aquela que nos circunda) vem ao de cima. (Se isso não acontece é pena porque assim temos que andar à procura de música por outros lados).
Se eu fizesse rádio teria muita música portuguesa para passar. Mesmo muita daquela que algumas pessoas dizem que não dá para passar na rádio (como se os aparelhos se avariassem com o som de uma gravação mais artesanal). Eu sempre andei à procura dela, a minha curiosidade tem-me levado onde ela está. E está aqui à nossa volta. E cada vez mais. É só procurá-la que ela aparece.
A música de que eu gosto está por aí, no meio de toda a outra de que não gosto -- como a música para mim não se resume a um puro acto de consumo mas sim a uma experiência de vida partilhada (digo-o enquanto fazedor e consumidor), muito naturalmente e desde muito cedo que a procurei à minha volta. Isso permitiu-me acumular experiências e memórias que hoje fazem parte da minha vida e que a enchem de música (portuguesa). Não se mede em percentagens. Vive-se e partilha-se (por exemplo através do Teenage Drool Festival).
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Os relatos dos concertos dos Tantra e dos Arte e Ofício no pavilhão da escola -- Caldas da Rainha 76/77.
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A primeira ida a um concerto (Psico e África Tentação em Lagos 78).
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A revista Música & Som (as fotografias dos Faíscas e Aqui-Del-Rock).
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A Anar Band -- J. Lima Barreto + Rui Reininho -- na televisão (o Reininho tinha uma guitarra de 2 braços).
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A passagem de ano 1979-80 gloriosamente animada com UHF ao vivo até às tantas da manhã.
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A minha colecção inteira do jornal Rock Week (onde pela 1ª vez apareceu o Rui Veloso).
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Os concertos e entrevistas aos Street Kids (do Nuno Rebelo) -- porque é que vocês não fazem solos?, foi uma das perguntas -- e aos Plexus (do Zíngaro) -- que é isso de música electrónica improvisada? --, ambas para o jornal do liceu.
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A Go Graal Blues Band na TV (quem me dera ter gravado em vídeo).
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O "Rock em Stock" do Luís Filipe Barros.
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O álbum dos Corpo Diplomático.
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O verão do "Chico-Fininho".
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O princípio dos Xutos.
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Os concursos do Rock Rendez-Vouz.
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Os Moeda Noise (Sei Miguel) e Ocaso Épico na Barraca.
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Os "Encontros de Música Contemporânea" na Gulbenkian (mais os discos do Filipe Pires, Jorge Peixinho e Emanuel Nunes) em 83/84.
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Os Telectu na Gal. Altamira (altamente).
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O workshop de música improvisada no CAM.
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Fazer rádio na Rádio Margem (Caldas, glorioso período de rádios livres) e entrevistar o João Peste e passar o "Querelle" dos Pop Dell'Arte em estreia radiofónica absoluta.
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O aparecimento do BLITZ.
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O Bar Oceano.
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Os Ena Pá 2000 (still underground).
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Os Tina & the Top Ten, o Johnny Guitar, a Moneyland, Dreamer's, etc., etc., etc.
Tudo isso e mais as bandas todas que continuamente me vão chegando à orelhas.
É muito, e podia ser mais. Não será concerteza com uma lei ou com Quotas de Mercado que essa paisagem musical circundante vai mudar. Ou então resolva-se o problema pela raiz, isto é, nas escolas, e logo a partir da pré-primária. Demora umas gerações mas talvez dê resultado com os netos da minha filha. Ah! e os concertos dos No Noise Reduction ao vivo na XFM, RUC (Coimbra) e RLO (Óbidos), foi só pensar em fazê-los e propor às pessoas. It's simple. It's live radio!
Aproveito a ocasião para ouvir três dos melhores discos de música portuguesa de sempre: Tó Zé Ferreira, "Música de Baixa Fidelidade", Cosmic City Blues, "Light", Sei Miguel, "Portuguese Man of War", e imaginar que tenho um emissor FM no telhado. It's on the Air... (Anyway, I want more sounds!!!)
João Paulo Feliciano (músico)
ARTIGO DE OPINIÃO PUBLICADO EM 1996 NO JORNAL BLITZ