ENTRE NOVA IORQUE E A SÉ DE BRAGA
BIOGRAFIA
António Joaquim Rodrigues Ribeiro, filho de camponeses minhotos, desde muito cedo revelou propensão para a música. Nascido em 3 de Dezembro de 1944, abandonou a sua aldeia natal (Lugar do Pilar, freguesia de Fiscal) em 1957 e foi para Lisboa, onde se dedicou a várias actividades profissionais desde empregado de escritório até barbeiro.
Em 1975 viaja até Londres, onde fica durante um ano e parte, depois para Amsterdão onde aprende a profissão de cabeleireiro. Esta aprendizagem servir-lhe-á para se instalar, novamente, na capital portuguesa; onde se estabelece com o primeiro cabeleireiro unissexo de Portugal. Esta actividade não resulta muito bem e, para ganhar a vida, abre uma barbearia na Baixa lisboeta.
Em 1978 grava uma maqueta com alguns temas, que apresenta à Valentim de Carvalho, com a qual assinará contrato.
Na sua própria descrição a música que produz situa-se entre Braga e Nova Iorque. É no programa "O Passeio dos Alegres" de Júlio Isidro que António se apresenta ao grande público (1). Os temas que cantou nessa emissão chamavam-se "Toma O Comprimido" e "Não Me Consumas" e ainda permanecem inéditos, uma vez que nunca foram registados em disco.
O primeiro trabalho que gravou foi o single "Povo Que Lavas No Rio", imortalizado por Amália Rodrigues (2).
Amália era, aliás, uma das suas referências, que teve direito a uma canção de Variações ("Voz Amália de Nós"). O seu primeiro longa duração "Anjo da Guarda" (3) é também dedicado à popular fadista.
Neste disco participam Vítor Rua (com o pseudónimo Vick Vaporub) e Tóli César Machado, músicos dos GNR. Quem não recorda " É P'ra Amanhã" ou "O Corpo É Que Paga"? (4)
Durante o Verão de 1983 Variações é muito solicitado para espectáculos ao vivo, sobretudo em aldeias por este país fora.
Em Fevereiro do ano seguinte, António Variações entra em estúdio com os músicos dos Heróis do Mar para gravar o seu segundo longa duração que se intitulará "Dar e Receber".(5) O tema mais conhecido deste disco é, sem sombra de dúvidas, "Canção De Engate" que, posteriormente, se tornará um imenso sucesso numa versão dos Delfins.
Em Maio desse mesmo ano dá entrada no Hospital e, no dia 13 de Junho de 1984, morre em consequência de uma broncopneumonia bilateral grave. Será sepultado, dois dias depois, no cemitério de Amares (Braga), perto da sua aldeia natal, com a presença de poucos músicos acompanhando o funeral.
Com a sua morte desaparece um dos maiores renovadores da canção portuguesa das últimas décadas.
No entanto o seu espólio musical foi sendo aberto e Lena d'Água edita, em 1989, o disco "Tu Aqui" que inclui cinco composições inéditas de António Variações. (6)
Em Janeiro de 1994 é editado um disco de homenagem a António Variações que reúne, em torno de versões do cantor, os nomes de Mão Morta, Três Tristes Tigres, Resistência, Sitiados, Madredeus, Sérgio Godinho, Santos e Pecadores, Delfins, Isabel Silvestre e Ritual Tejo.
Isabel Silvestre incluirá no seu disco de 1996 "A Portuguesa" o tema "Deolinda de Jesus" de Variações. Este tema, uma sentida homenagem de Variações à sua mãe (que se chama exactamente Deolinda de Jesus) é o contraponto de qualidade a todas as "Mães Queridas" e quejandos deste país.
Em 1997 é editado o CD "O Melhor de António Variações", o qual recupera material editado em todos os seus discos.
Em 2006 é editada a compilação "A História de António Variações - Entre Braga e Nova Iorque".
Se Variações não tivesse desaparecido tão precocemente, a música portuguesa seria diferente? Esta é a interrogação que se impõe, tendo em conta o que o cantor/autor fez, em tão pouco tempo, pela música portuguesa.
ARISTIDES DUARTE / NOVA GUARDA
(1) Em 1980 o programa "Meia de Rock" da Renascença grava a canção "Toma O Comprimido" em casa do cantor e toca-a na rádio. No ano seguinte, António & Variações (o nome da banda que o acompanhava), cantam a canção no programa "O Passeio dos Alegres" de Júlio Isidro (um dos clientes da barbearia). O cantor apresentou-se na TV vestido de aspirina e lançando "smarties" para o público e para as câmaras...
(2) O contrato com a Valentim de Carvalho datava de 1977. O irmão, o advogado Jaime Ribeiro, pressiona a editora que acaba por vergar e António Variações entra finalmente em estúdio para gravar o seu primeiro disco. O single (e Máxi) de estreia, lançado em Julho de 1982, incluía uma versão do clássico "Povo que lavas No Rio" e o inédito "Estou Além".
(3) Em 1998 o disco foi reeditado, em versão remasterizada, com a inclusão de "Povo Que Lavas No Rio".
(4) Disco com arranjos e produção de Tóli César Machado e Vítor Rua substituído posteriormente por José Moz Carrapa. A mudança corresponde também à saída de Vitor Rua dos GNR após uma pausa nas gravações do disco.
(5) A edição em versão remasterizada de "Dar e Receber" inclui o inédito "Minha Cara Sem Fronteira" (gravado nas sessões de gravação do disco) e duas remisturas desse tema.
(6) A versão em CD do álbum "Tu Aqui" de Lena d'Água inclui cinco temas inéditos e recupera a versão do tema "Estou Além" incluída no álbum "Aguaceiro".
DISCOGRAFIA
Anjo da Guarda (LP, EMI, 1983)
Dar e Receber (LP, EMI, 1984)
O Melhor de António Variações (Compilação, EMI, 1997)
A História de António Variações - Entre Braga e Nova Iorque (Compilação, EMI, 2006)
SINGLES
Povo Que Lavas no Rio / Estou Além (Single, EMI, 1982) - duplo lado A
Povo Que Lavas no Rio / Estou Além (Maxi, EMI, 1982)
É P'ra Amanhã (Maxi, EMI, 1983)
É P'ra Amanhã/Quando Fala Um Português (Single, EMI, 1983)OCEQP
O Corpo É Que Paga (Single, EMI, 1997) - É P'ra Amanhã (remistura de Nuno Miguel)
REFERÊNCIAS/HOMENAGENS
O álbum "Tu Aqui" de Lena d'Água, editado em 1989, incluía cinco temas inéditos.
Anamar -"António Variações"
Madredeus - "A Sombra"
"A Festa da Música de Variações" - Espectáculo de Fernando Pereira
Versões (Delfins, Amarguinhas, Isabel Silvestre, M.D.A., etc...)
Disco de tributo
Documentário de Maria João Rocha
Concerto AVariações
Projecto Humanos
COMENTÁRIOS
Gostava de dar e receber, o António. O António Joaquim Rodrigues Ribeiro, o que nasceu no Minho, em 1945. Mas também o António Variações, que subia a rua do Carmo na década de 80, em Lisboa, e fazia os transeuntes virar-se para trás por causa de uma imagem peculiar. Barbas longas e roupas extravagantes aos olhos da maioria. Mas o António não queria saber. Procurava a provocação como forma de afirmar a sua independência. A sua identidade. Mas isso era partir do pressuposto que era uma personagem, coisa que não é verdade. Era genuíno, o António. Era como era. Na música foi um dos melhores. Tinha uma voz peculiar, mas era mais do que isso. Era aquela forma de apelar à memória colectiva, a uma certa tradição da música portuguesa, e mesmo assim produzir uma sonoridade profundamente modernista. De tal forma que, depois daquela madrugada de 14 de Junho de 1984, a sua música continua a manter a mesma pertinência. O álbum "Dar e Receber" foi agora reeditado - contém um inédito e duas remisturas inúteis - e quem não acreditar, faça favor de o ouvir. (Vitor Belanciano/Público)