Recentemente, ao pegar numa série de discos editados durante os anos 80, e que testemunham (...) a vanguarda cultural que se desenvolve em Lisboa, mas também em Coimbra, no Porto ou em Braga, dei-me conta de que não conhecia a maioria dos nomes que assinam o design gráfico desses discos e que os poucos que conhecia, efectivamente conhecia mal, refiro-me a nomes como José M. Cruz e Silva, Marco S. S., Jorge Santos, Fernanda Gonçalves, Jean Jacques ou José Júlio Barros.
Por exemplo, não conheço quem fez o design gráfico do disco "Encounters" de Jorge Lima Barreto ou do "Espírito Invisível" dos Mler If Dada, ambos trabalhos fabulosos.
Vinte anos depois, se é fácil reconhecer influências (nomeadamente a linguagem desenvolvida por Vaughan Oliver para a 4AD) também é possível identificar alguma identidade, resultante, muitas vezes, da combinação DIY de técnicas e meios, como forma de responder criativamente às limitações de orçamento.
Talvez o design gráfico das capas de muitos discos produzidos em Portugal nos anos 80 e início de 90 [produção notavelmente documentada no blogue Under Review] ilustre melhor o que é o design (neste caso gráfico) português, melhor do que a exposição “Design & Circunstância”, a “Lusitânia” ou, mais próxima de nós, a primeira Experimentadesign. Há neste design DIY, por vezes anónimo, desapoiado, por vezes toscamente “trendy” outras vezes surpreendentemente original, um retrato muito aproximado do design português, que me parece, vinte anos decorridos, manter-se actual.
- Jorge Lima Barreto, Encounters (LP, Alvorada/Rádio Triunfo, 1979).
- Mler If Dada, Espírito Invisível (LP, Polygram, 1989).
- Corpo Diplomático, Música Moderna (LP, Da Nova, 1979).
- Manuela Moura Guedes, Foram Cardos, Foram Prosas (7, EMI-VC, 1981).
- GNR, Defeitos Especiais (LP, EMI-VC, 1984).
- The Eye Decay Theory or When the Garden becomes a Time Lapse (LP, Johnny Blue, 1991).
http://reactor-reactor.blogspot.com/2008/03/16-anos-depois-da-exposio-design.html
SE HOUVER ALGUM VAUGHAN OLIVER, POR FAVOR LEVANTE-SE!
Do boom do rock português do início da década de 1980 e dos anos que se seguiram, não guardamos o nome de nenhum designer ao qual possamos chamar de “nosso Vaughan Oliver” ou “Peter Saville português”.
Os nomes que encontramos creditados pelo design das capas dos discos parecem, desde logo, prometer o pior, entre outras, por três razões:
- ou não são suficientemente sérios para serem levados a sério: nomes como Ni, Licas, Xico Z. ou Vitinha este último ligado aos Rádio Macau;
- ou são demasiados sérios para serem levados a sério: como os aristocráticos Bernardo de Brito e Cunha, que trabalhou com os UHF, e António Campos Rosado que trabalhou com os Heróis do Mar;
- ou soam demasiado ao nome de uma empresa de import&export: vejam-se os exemplos de Azinheira F&S ou Ana Cristina B.P.F que desenhou a capa do "78-82" dos Xutos e Pontapés.
Que o design talvez não fosse, naquele contexto, assim tão importante, percebe-se igualmente por três factos:
- um número muito significativo de capas de discos não apresentam a identificação do autor, como se o design fosse coisa menor para ser creditado;
- ou, por outro lado, têm demasiados autores, como se um só não fosse suficiente para fazer um bom trabalho. A capa do "Anjo da Guarda" (1983) de António Variações é um bom exemplo, sendo o trabalho gráfico creditado a António Variações, José Manuel Cruz e Silva, Rui Gonçalves, Francisco Vasconcelos e David Ferreira.
- Ou, então, são os próprios músicos a desenhar a capa. Assim acontece com as capas dos Beatniks e dos Interface, com as capas dos Go Graal Blues Band (algumas interessantes) desenhadas pelo baterista Raúl B. Anjos ou com algumas capas dos UHF concebidas pelo vocalista António Manuel Ribeiro. O paradigma desta lógica de acumulação é dado por Pedro Ayres Magalhães que colabora no disco "Sonho Azul" de Né Ladeiras como compositor, letrista, responsável pelos arranjos, multi-instrumentista (toca sintetizador, caixa de ritmos, guitarra clássica e baixo), produtor e designer gráfico.
Convém realçar que, em boa parte das vezes não creditar o trabalho gráfico é perfeitamente justificável, vejam-se as capas de "Caminhando" (1983) dos Da Vinci ou "Guardador de Margens" (1983) de Rui Veloso, trabalhos que muito poucos teriam coragem de assumir.
Analisada a partir da perspectiva da indústria discográfica dos anos 80, a história do design gráfico português torna evidente vários aspectos. Percebe-se uma certa fidelidade das bandas aos seus designers (como os discos dos Ananga Ranga sempre da autoria de Pedro Freitas ou os dos Táxi (com algumas soluções inovadoras) criados por José Júlio Barros); reconhece-se uma clara rivalidade entre as grandes editoras e seus designers (José Júlio Barros na Polygram; José M. Cruz e Silva na Valentim de Carvalho) ao mesmo tempo que editoras independentes trabalham com os seus designers underground como Rogério Bold da Rádio Triunfo ou Victor Lages.
Apesar da indústria discográfica portuguesa ser pequena, alguns designers tiveram oportunidade de criar capas de discos a um ritmo intenso. O caso mais evidente talvez seja o de José Júlio Barros que entre 1981 e 82 assinou, entre outras, as capas de "Tripas à Moda do Porto" dos Trabalhadores do Comércio, "Táxi" dos Táxi, "Danza" dos Arte&Ofício, o interessante "Oito Encomendas discriminadas no verso" dos C.T.T. e "Cairo" dos Táxi.
Este género de produção gráfica permanece por estudar e embora muitos dos autores de capas de discos não fossem designers gráficos profissionais (alguns dos nomes mais activos dessa época, artistas ligados às editoras, como José Julio Barros, vinham da pintura e seguiram por essa via) encontramos ali um universo gráfico tão desequilibrado quanto sedutor.
Desse período ficaram-nos capas de discos boas (como "Hands Off" dos Zoom desenhada por Fátima Rolo ou quase todas dos Mler If Dada), outras francamente más, outras estranhas (como a maioria das editadas pela Rádio Triunfo), outras pirosas (em discos do Tantra, Jarojupe ou Iodo). Numa diversidade que, afinal, não deixa de caracterizar o design português de então.
http://reactor-reactor.blogspot.com/2009/11/se-houver-algum-vaughan-oliver-por.html
TEXTOS DO BLOG REACTOR-REACTOR