LAGO LEMAN - GENEVE - 1981
Debalde tentava explicar quem era o Chico Fininho e onde ficava o Estádio das Antas... mas ninguém se comovia com a infância do rock português e com a verdura sonora da pop-rock de um país que então apenas possuía uma estação de TV, 3 ou 4 rádios, «catedrais do rock» como o psicadélico Infante de Sagres... eram os gloriosos e heróicos tempos do rock português cuja história(s) ainda há pouco tempo recordei com o pai «himself» em longa conversa nos estúdios da Antena 3. A conversa poderia ter decorrido, menos o sal e pimenta das histórias on e off the road, numa noite qualquer de há 15 anos: falou-se de agentes, técnicos, circuitos de espectáculos, clubes de rock e música ao vivo, preços de equipamento e instrumentos...
PORTO INVERNOS 83-84
Eram estas as questões que se colocavam nos estúdios da Rádio Porto que apoiava as noites de rock de Massarelos, organizadas pelo então generalista artístico João Loureiro, uma réplica inocente e pura, sem que nessa altura o pudesse perceber, das convenções de Austin e Nova Iorque, as grandes montras das novidades e esperanças da pop-rock americana... e que me recorde dos vários grupos presentes apenas os Xutos, os Ban (ainda Bananas) e nomes que ainda hoje fazem parte de grupos em actividade, prosseguem as suas carreiras sem que uma boa parte das questões então levantadas tenham sido resolvidas... mas era o princípio de uma certa pós-modernidade 80s que se traduzia nas primeiras emissões piratas, fanzines e planos de glória com sabor do álcool duro das noites inesquecíveis do Griffon´s.
LONDRES 88-91
O porteiro do Marquee reconheceu-me. As férias ao sol nortenho e em áreas onde habitualmente resido, avivam-lhe a memória do apresentador de um estranho show de TV chamado «Via Rápida», produzido na sua cidade natal mas apresentado no país do sol e da cerveja barata... os Peste & Sida e os Xutos & Pontapés são as suas bandas preferidas, que aliás como dj em clubes do Soho, já tinha apresentado em noites rock vividas em antros que há algum alguns anos atrás serviram de palco às encenações neo-românticas e afectadas dos Spandau Ballet e dos Visage... mas já não era a primeira vez que em Londres se reagia às propostas made in Portugal: na Music Box circulavam os clips de produção nacional então existentes, todos eles exibidos numa nova produção dedicada à pop-rock não anglo-saxónica. Rui Reininho era convidado a participar nas sessões de Neil Conti, o baterista dos Prefab Sprout, o célebre Backstage Club das quartas-feiras que, e a partir do antro tex-mex Borderline, lançou as sementes da cena acid-jazz britânica... seria numa noite show-biz, no então poiso de George Michael, Browns, que conheceria Luc Vergier, uma das mais importantes figuras da indústria musical francesa, hoje ligado à Sony Internacional e então à procura de, e a partir de Londres, lançar alguns dos nomes que se apresentavam no clube dirigido por Conti e disponível para todo o tipo de projectos pan-europeus, direcção que os anos 80 já indicavam como uma das áreas em maior crescimento... sobre Portugal as opiniões abalizadas e conhecedoras: um país com talentos e ideias mas sem uma organização capaz de responder de imediato a qualquer solicitação mais urgente....
VERÃO DE 1991
Num restaurante do Porto, Luc Vergier encontra-se com João Loureiro e nasce o projecto Zero que, e apesar dos resultados comerciais aquém das aguardados, não deixou de lançar pistas para co-produções e troca de experiências manifestamente vantajosas para a nossa cena pop-rock que hoje em dia serão já concorrentes mas que então eram uma aventura sem limites. Mas o conhecimento no terreno do executivo francês provocaram-me outras reflexões: sem uma cena de club regular e organizada, sem agenciamento profissional e management agressivo capaz de dirigir os passos dos artistas e bandas e sem uma crítica capaz de deixar respirar e crescer projectos desprotegidos e em gestação, dificilmente o panorama se poderia alterar...
LOS ANGELES 1991-1994
Foi um pouco à distância que senti a evolução da nossa cena. A criação da Rádio Energia em 1991 lançou um formato de rádio com uma participação directa e imediata nas actividades da indústria local; surgiram as sementes de uma cena de dance-music, hoje e para além dos Madredeus a grande mostra da cultura contemporânea nacional; lançou-se o «retronuevo» Resistência ou Sitiados, abriu-se o mercado de espectáculo estudantil e as discotecas até então fechadas a música ao vivo abriram os seus espaços a um círculo ainda incipiente mas já capaz de garantir uma cena live bem mais saudável... ao outro lado do Atlântico chegaram CDs imediatamente distribuídos para gáudio exótico de algumas figuras ligadas ao mundo do espectáculo já então apaixonados pelos Madredeus.
(...)
A loucura Bandemónio terá suavizado um pouco o impacto que o aumento de intensidade do trabalho que passei a desenvolver em finais de 1994 princípios de 1995 para a Antena 3 acabaria por absorver inevitavelmente.... e eis-nos chegados ao momento em que gostaria de concluir todas as ideias que de uma forma cronológica e prática tentei reunir: o estado das coisas não é tanto a falta de criatividade ou talento ou imaginação dos músicos portugueses, mas sim a ainda «verde» estrutura profissional, os financiamentos e produção de projectos, cliquismo organizado, impaciência e curtos-prazos, doenças nacionais provavelmente sem cura, e um burguesismo pateta que faz com que muitos dos jovens músicos nacionais não partilhem ideias e espaço criativo, e acima de tudo um grande desconhecimento do que se passa «lá fora» e que em geral é observado pelo prisma das capas e do glamour do êxito que, e em particular nos Estados Unidos, é fruto de anos intensos de trabalho árduo, incontáveis viagens em carrinhas fedorentas, mais de 200 concertos por ano e o prazer de tocar seja onde for e para quem for ... Perguntem aos Red Hot Chilli Peppers, Rage Against The Machine, Stone Temple Pilots, entre tantos outros, onde estiveram nos anos 80. Eu sei onde estiveram: em clubes bizarros e malcheirosos como o Anti, em Melrose Avenue, ou o Peanuts, hoje um stripper club em Santa Monica, ou o ex-Central, agora o poiso da geração Depp mas até à sua transformação uma «caixa de sapatos» indescritível.
(...)
Álvaro Costa (ex-realizador da ANTENA 3)
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL BLITZ EM 23 JANEIRO 1996