Há 20 anos, Mário Guia, proprietário do Rock Rendez Vous, criava o primeiro concurso de música moderna de impacto nacional Também em 1984, disco lançado pelo clube fundava a editora Dansa do Som
Há 20 anos, nos escritórios do mais famoso clube de rock lisboeta, conspirava-se. Como uma década antes, também se falava em surdina. A criatura ganhava forma nos papéis, nas cassetes - muitas, 100 mais uma - e na mente de Mário Guia, proprietário do Rock Rendez Vous (RRV).
"Criei o concurso porque, em Portugal, não havia muitas bandas activas e os grupos de baile estavam a ganhar preponderância. Com a iniciativa, apelou-se à criação de temas originais e à formação de novos projectos. Surgiu a motivação".
"Em três semanas" de Março de 1984, Guia - actualmente, ligado ao turismo e a iniciativas relacionadas com o fado - recebeu "101 cassetes, inclusivamente, algumas de bandas que se formaram de propósito". O propósito abrigava-se sob as luzes do 1º Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous, que, de Abril a Julho, abrigou esperanças, traumas, desilusões e bocas e ouvidos abertos.
"Houve reacções violentas, mesmo a nível de jornalistas", relembra o empresário. "Tinha de se fazer parte de um clã, de um lobby. Por exemplo, o Miguel Esteves Cardoso referia-se ao RRV como a casa maldita. Alguns grupos tinham medo de tocar lá. Foi um estigma que permaneceu até ao fim".
O concurso - ao qual concorreram, por exemplo, os Bateau Lavoir, os vencedores Mler Ife Dada, os Negra Troop ou os Tum Tá Tum Tum - serviu igualmente para "chamar a atenção para o RRV, de modo a rentabilizar o espaço". Até porque, na vertente estética, "a maioria das bandas era uma espécie de cópia de outras mais conhecidas".
De qualquer forma, Mário Guia, antigo emigrante em Londres, onde trabalhava na área das confecções, realça que conseguiu levar a ideia avante "sem apoios de qualquer índole. Também, nunca os pedimos".
BRINDE PROVOCOU EDITORA
No fim do mesmo ano, chegou ao mercado um disco intitulado "Ao vivo no Rock Rendez Vous em 1984". "Gravávamos todos os concertos em cassetes e, a certa altura, resolvemos dar um brinde aos clientes por ocasião do aniversário do clube".
"A capa foi feita numa noite, a montagem no dia seguinte e mandou-se imprimir 500 discos".
A recepção ao álbum encerra contradições várias. "O disco passou muito na rádio e decidiu-se editá-lo". Todavia, "ninguém o queria distribuir, nem as lojas estavam muito dispostas a recebê-lo". O motivo é arrasador: "Era por causa da música, não a entendiam".
Faça você mesmo, portanto. "Criámos a venda postal", através da editora Dansa do Som (assim mesmo, com "s"). A facturação não deu para comprar o Maseratti. "Não ganhei dinheiro nenhum, até sobraram discos", assume.
Mas a semente de insubordinação germinava. "Após o "Ao vivo no Rock Rendez Vous em 1984", os Xutos & Pontapés apareceram e perguntaram-me se queria fazer o "Cerco", que viria a ser o segundo álbum deles". O melhor disco da banda de Zé Pedro.
A amargura escurece a voz de Mário Guia. "Quando os grupos começavam a ganhar nome, afastavam-se do RRV, porque consideravam que era para principiantes".
O princípio do fim, soube-se depois...
Emanuel Carneiro / JN
ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL DE NOTÍCIAS - 01.03.2004