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Confesso que não me sintonizo muito com as estações de rádio. No entanto, o pouco espaço dado à música portuguesa não é uma verdade que me ficou dos tempos em que as emissões radiofónicas faziam mais parte da minha vida, mas um facto que também hoje algumas das minhas deslocações, intervalos e mudanças de ocupação deixam quase sempre no ar. Mais. Se os finais dos anos setenta conceberam os génios do Pop/Rock Português, e se a década de oitenta os revelou e consagrou, hoje, a nossa música não só não é escassa nas rádios, como as poucas cordas musicais que se escutam continuam a ser as que nos embalaram e ajudaram a crescer há vinte anos - mesmo quando a crítica, sobre os seus mais recentes trabalhos, lhes encontra pouca criatividade ou nenhuma. É verdade que ultimamente têm surgido mais canais, mais sites e programas promocionais, mas uma coisa são os concursos, as iniciativas de divulgação, paralelas ao avanço tecnológico, e outra os tempos concretos de antena ou as horas de afirmação do nosso aqui e agora musical, cuja conquista não deve apenas depender, para se fazer ouvir, do reconhecimento prévio da sua qualidade e do seu bom nome, ou da boa vontade dos DJ’s. Sons e vozes valem por si.

 

Desconheço as razões porque desprezamos, de alguma forma, a música que é nossa, as suas mais novas revelações, e nos rendemos mais facilmente aos novos sons ingleses, americanos, italianos e até espanhóis, como não entendo porque preferimos sempre os mesmos músicos, políticos, humoristas e comentadores à emergência de novas figuras, estilos e talentos nestas e noutras áreas. Não creio que a música composta noutros países esteja mais em consonância com a realidade do que a nossa, mas acredito firmemente que uma música fará muito mais sentido e terá até muito mais êxito, quanto mais ligada estiver a elementos da vida quotidiana de um grupo ou nação. A penetração do mundo fictício e aburguesado dos famosos, e o desenrolar de uma carreira artística dentro dele, levam quase sempre a um desfasamento entre a música que se toca ou canta e o dia a dia da maioria dos portugueses. Não fosse assim, não haveria, no nosso meio, políticos espantados com o facto de que as mulheres sem-abrigo também têm filhos.

Os anos oitenta em Portugal, depois da revolução de Abril, foram anos de contestação, criação e afirmação. Êxitos como Chico Fininho, Chiclete, Patcholi, Cavalo de Corrida e outros, não só foram expressão de sucesso dos ideais da altura, como nasceram dos mesmos. Os seus autores tornaram-se referências importantes no que toca o desenvolvimento de um certo tipo de música produzida em Portugal. Pena, porém, que ainda sejam estas as vozes marcantes das nossas rádios, como se as gerações não se sucedessem com igual ou maior qualidade, a história tivesse parado no tempo e os ideais carecessem de nobreza.

Emitimos pouca música portuguesa, é certo, e a que passamos não é certamente a mais genuína manifestação dos desafios e transformações presentes. Tendo vivido alguns anos na Inglaterra, apercebi-me que as bandas inglesas, a que me tinha afeiçoado em Portugal, iam dando o lugar a outras, sem nunca deixarem de compor novos temas, de estar nas prateleiras discográficas e de se fazer ouvir. Os Beatles, os Rolling Stones e outros grupos foram e permanecerão sempre bandas de mérito singular e internacional, mas como estas se ligam inevitavelmente a um determinado tempo, assim outras em Portugal. Investir, correr riscos, ousar mais, a prejuízo musical de ninguém certamente, é o caminho que se impõe hoje e sempre a Portugal, para que a nossa música se promova sem obrigação, se adquira a preços acessíveis, e indivíduos e grupos, nunca dantes ouvidos, cantem, numa língua que não tem que ser outra, o nosso estado de alma, em cada geração.

24/01/2004

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA CAIS Nº 83

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